sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Lá do fundo

Acho que é mais ou menos como abrir uma gaveta esquecida.
Ir tirando toda a tralha que nem sabia que tinha guardado. Tempos atrás, essas tralhas foram o suficiente. Não mais. Gastou boa parte do tempo colecionando desgastes, comprando coisas e brigas desnecessárias, encaixotando ilusões e alimentando sonhos como se estes fossem o que a mantinha em pé. 
Ao abrir a gaveta esquecida, a menina joga fora todos os cortes que foram feitos e relembra com ternura hoje. Desembrulha o embrulho feito com o laço que prendia o nó na garganta. Desata-o e volta a respirar. Suspira, feliz. 
No fundo da gaveta havia um bilhete, sequer lido. Ainda conservava as linhas azuis típicas do caderno de escola, mas a letra revelava traços de que aquilo havia sido escrito há tempos. 
"vai ser feliz menina". 
Ela foi feliz, muito, antes mesmo de achar o bilhete. Foi feliz durante esse tempo que continuou a empurrar coisas gaveta afora. Mas depois da gaveta limpa, com espaço de sobra, podendo organizar e decidir com calma o que entra e o que permanece de fora, a menina aprendeu a olhar ao seu redor. Não existe mais o nó na garganta, ela respira fundo e carimba sorrisos por aí. Consegue enxergar as coisas boas que vêm. A gaveta está sendo preenchida com um sentimento chamado amor. Por ela mesma. Amor pela chance de poder ter a gaveta pronta pra servir de lar para o novo e o ainda desconhecido sentimento de gostar de se sentir encantadoramente feliz. Pronta para tornar plural o sujeito da frase. Seguindo o conselho do bilhete, a menina vai sendo diferentemente feliz.

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