quinta-feira, 17 de outubro de 2013

No sítio

Ainda sinto o cheiro de manjericão fresco, colhido na hora, da horta que tomávamos conta todas as manhãs de sábados ensolarados.
sentava na grama, o sol ardia e não me deixava enxergar, então eu cerrava os olhos e o procurava com as mãos, a fim de me aninhar num abraço gostoso.
enquanto o sol ardia, eu pensava que ali era nosso refúgio de tudo que havia lá fora.
ali era o lugar onde ninguém nos encontrava, podíamos ficar tempo demais olhando um ao outro até que o corpo implorasse por um pedaço de sombra e um pouco de água.
na hora do almoço, com as folhinhas de manjericão a postos, ele cozinhava e eu tratava logo de por um mpb das antigas pra tocar, e, do lado de fora, os pássaros se encarregavam de compor canções instantâneas para combinar com o clima.
eu arrumava a mesa com todo o cuidado, de forma que os pratos ficassem frente a frente para conversar olhando nos olhos, cantarolava algum verso das musicas que tocavam e chegava de mansinho ansiando o momento em que ele me pedia ajuda só pra eu poder participar um pouquinho mais.
eu só mexia o conteúdo de cheiro bom que habitava a panela, mas isso era motivo pra ganhar um beijinho de aprovação, então já me valia o dia.
depois de almoçar, fazíamos tanta coisa e não fazíamos nada. nos presenteávamos com flores recentemente arrancadas, até dava pra sentir o cheiro de terra nas mãos. outrora plantávamos mudas de árvores que faziam parte da nossa história, em especial o Ipê Amarelo que tinha perto de casa e, como florescia uma vez ao ano, sempre nos fazia parar pra admirar e isso provocava intensa certeza de que nosso amor perduraria assim como a árvore que sempre estivera ali.
a noite, na hora de deitar em frente a tv, era de praxe: colocar o filme e não conseguir assistir, o desejo era mais forte que qualquer coisa, nem parecia que tínhamos passado o dia todo juntos. depois da cama desarrumada era a vez dos olhares não carecerem de dizer coisa alguma, pairava no ar um 'quê' de reciprocidade de todos os sentimentos que compartilhavam da vontade de ficar pra sempre daquele jeito, mas mesmo assim, existia necessidade de falar, um pro outro, o quanto eram especiais e toda aquela baboseira de "pra sempre".
no outro dia na hora de ir embora era um quase chororô, a semana ia começar e os dois precisavam voltar a rotina.
o manjericão continua sendo meu tempero favorito, e eu continuo cerrando os olhos e suspirando ares nostálgicos todas as vezes que sinto o cheiro dele.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Lá do fundo

Acho que é mais ou menos como abrir uma gaveta esquecida.
Ir tirando toda a tralha que nem sabia que tinha guardado. Tempos atrás, essas tralhas foram o suficiente. Não mais. Gastou boa parte do tempo colecionando desgastes, comprando coisas e brigas desnecessárias, encaixotando ilusões e alimentando sonhos como se estes fossem o que a mantinha em pé. 
Ao abrir a gaveta esquecida, a menina joga fora todos os cortes que foram feitos e relembra com ternura hoje. Desembrulha o embrulho feito com o laço que prendia o nó na garganta. Desata-o e volta a respirar. Suspira, feliz. 
No fundo da gaveta havia um bilhete, sequer lido. Ainda conservava as linhas azuis típicas do caderno de escola, mas a letra revelava traços de que aquilo havia sido escrito há tempos. 
"vai ser feliz menina". 
Ela foi feliz, muito, antes mesmo de achar o bilhete. Foi feliz durante esse tempo que continuou a empurrar coisas gaveta afora. Mas depois da gaveta limpa, com espaço de sobra, podendo organizar e decidir com calma o que entra e o que permanece de fora, a menina aprendeu a olhar ao seu redor. Não existe mais o nó na garganta, ela respira fundo e carimba sorrisos por aí. Consegue enxergar as coisas boas que vêm. A gaveta está sendo preenchida com um sentimento chamado amor. Por ela mesma. Amor pela chance de poder ter a gaveta pronta pra servir de lar para o novo e o ainda desconhecido sentimento de gostar de se sentir encantadoramente feliz. Pronta para tornar plural o sujeito da frase. Seguindo o conselho do bilhete, a menina vai sendo diferentemente feliz.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O adeus não precisa ser o fim

Existe um sentimento - que também leva o nome de pecado - que todo ser humano cultiva. Ou pelo menos uma vez na vida, cultivou. Aquilo que acontece quando "ah, ele que venha atrás". Deriva do amor próprio nesses casos, ou da pirraça, ou procede dos tombos levados no passado. À isso, chamamos orgulho. 
O orgulho abre as asas quando você sabe que está com a razão. E teimamos em achar que o tal orgulho, com as tais asas, vistoso que só ele, irá levar o outro a enxergar que a razão em questão é mesmo sua. "ah, ele que venha atrás". 
Depois de uma briga, a porta do carro bate num tom acima do normal, como se o gesto substituísse a voz dizendo que "acabou!". Em seguida, surge por trás, sorrateiro, o tal. E ele te faz esquecer de que o outro, que recebeu a batida da porta, também o sente e também espera que você vá atras. O outro também acha que a razão está com ele. Ninguém quer dar o braço a torcer. Mas não há razão para não ser flexível. Não há razão para adeus. Não há posse de razão. O orgulho pode levar ao fim, e o fim pode levar ao arrependimento. Então, se alguém abre um sorriso no qual revela uma brecha no meio do caminho, mesmo que posterior a uma batida digna de porta, um sorriso acusando uma trégua, sussurrando um "vamos resolver isto de uma vez", aí a vontade de permanecer junto pode ser impulsionada e todas as aparas podem ser discutidas. O orgulho deixado de lado, o não precisar ir atrás, nem esperar que venham, pode te levar as nuvens, poupando energia de bate-portas e noites mal dormidas esperando um alô do outro lado da linha. Aquela demonstração gratuita de adeus, dado ao sair do carro, pode te fazer temer que o adeus seja verdadeiro, e te mostrar que você poderia sair de braços dados com a razão, mas logo a frente poderia esbarrar direto no arrependimento. 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

De se pensar

O ser humano foi condicionado a pensar de forma radical: muito temos que fazer pra merecer ser feliz.
Estamos acostumados as coisas não serem exatamente do jeito que queremos e planejamos. Com tudo na vida. Brigamos pra ser feliz, o outro discorda das suas opiniões, quer mudar seu jeito, seu pensamento, suas escolhas, e nós, pra fazer jus ao que nos é importante, batemos o pé e fazemos o mesmo, tentamos mudar a cabeça alheia. Eis que, quando acontece de alguém esbarrar sua vida, alguém que não queira muda-lo, que gosta de você do jeito que é, mesmo turrão e cabeça dura. Alguém que dê risada quando vocês discordam de qualquer coisa aleatória e alguém que goste das mesmas coisas que você... o que acontece? as pessoas se assustam. Brigou a vida toda pra tentar fazer com que pensassem como você, que tivesse o mesmo gosto, que valorizassem algumas coisas simples que aos olhos dos outros era tudo mera besteira, mas pra você fazia toda diferença, tentou fazer com que pessoas que passaram na sua vida enxergassem além do que estava sendo mostrado por você. E quando encontra alguém que você não precisa ter vontade de abrir a boca e enfiar guela abaixo tudo que te importa, pois a pessoa encontrada também tem as mesmas importâncias na vida, você se assusta. Você não estava acostumado a ser feliz de cara. Era exaustivo, dia por dia, escalar a montanha do: se você pensasse como eu seria tudo tão mais fácil. E quando as coisas se tornam mais fáceis, você se assusta. 
Nos acostumamos com o difícil, até com o impossível. Mas ainda não demos conta de que ser feliz também pode dar certo. As pessoas têm medo de ser feliz porque não estão habituadas com o fato de tudo caminhar leve e simplesmente serem felizes. E por isso, deixamos passar pessoas que sempre quisemos e sonhamos e idealizamos, pois quando acontece, o susto e o medo se tornam maiores do que toda aquela vontade de ser feliz com alguém como nós.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Avante!

As pessoas deveriam presentear mais, fora das datas comumente especiais.
Mostrar suas letras. Escrever mais cartões (e cartas!). Compartilhar mais músicas e menos fofocas.
Pentear mais seus próprios cabelos, pintar e cortar as próprias unhas.
Andar a pé. Usar mais o par de tênis do que o par de saltos.
Usar mais os pés no chão do que os pensamentos no "mas e se".
Marcar encontros em cafés e livrarias.
Conhecer desconhecidos.
Suspender o uso de celular e carro algumas vezes. Se possível, muitas vezes.
Deixar de digitar e passar a usar a voz.
Deixar de assistir na tela de alguns centímetros e partir pro ao vivo, 360°.
Ir a shows, praças, parques mesmo que longe de suas casas.
Brindar com taças de verdade ou com copos de plástico, mas ainda assim, brindar.
Lavar o chão. Lavar a alma.
Olhar ao redor e perceber pequenas mudanças. Nos lugares e nas pessoas.
Jogar o lixo no lixo. Jogar limpo com as outras pessoas e com elas mesmas.
Usufruir mais de suas cidades, bairros, casas. Conhecer novas ruas.
Ter mais verdades para mostrar.
Ter menos mentiras para esconder.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Sobe rios, atravessa oceanos, escala montanhas essa vontade imensa de escrever. É uma vontade forte, como fome ou sono, é quase um empurrão.
É aquela sensação de alívio imediato... como se dissesse à alguém: sai daqui! e a pessoa te obedecesse.
Quero mandar pro alto, ou pros quintos daquele lugar, tudo que vem brotando aqui dentro.
Multiplica-se a cada respirada, das desapercebidas até as mais fundas, suspiros e seguradas de fôlego, todas contam. Brota e rebrota a dúvida. Várias dúvidas. Sinto saudades de um tempo que...
Na verdade só sinto saudades do tempo de criança, sem malícias, sem cobranças. O único "esperar de" era em épocas festivas, natal, aniversário e afins. Esperar por presentes, nada mais.
Hoje em dia espero por atitudes... que talvez não venham. Que, as vezes, de tão mirabolantes (ou não) ficam só no sonho mesmo. E o pior é que muitas dessas atitudes eu espero de mim mesma. Ninguém pode fazer por mim. E eu mesma, que sei disso, não faço. Por isso espero, e espero, e espero. Até cansar. E cansei. E preciso fazer. Mas me saboto e deixo pra amanhã e amanhã vou deixar pra depois.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Longínquos

Em fase de abstinência.
A menina anda se cercando de lonjuras. É só não ir, não ver, não crer.
Mas ainda procura por vestígios que, quando encontrados, fazem o coração sair do lugar e perambular o estômago. Ela quer saber, mas sabe que não deve, não pode, não é inteligente ficar se martirizando ao achar provas do que ela temia, tampouco fingir que não vê, só esperando por uma chance de saber se ele realmente vai bem como parece.
Ela sente alívio as vezes. Passa dias sem sequer lembrar. Mas eis que a menina tem recaídas. Se mantém longe, mas as vezes corre pra bem perto daquele sentimento chamado saudade. Ela sabe que a saudade é de um tempo bom, das coisas boas que passou junto dele. E teima em se esquecer dos motivos que a levaram a manter tamanha distância.
Ritualisticamente ela se leva pra longe dos pensamentos benignos, que trapaceiam o coração e volta os pés no chão. Já passou. 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

I'm thinking

Por mim, eu poderia falar.
Mas teimo em falar pelo outro... todos teimamos.
Eu não sei ao certo o que sinto, mas insisto em achar que sei o que o outro sente.
E nunca é dos bons.
Já me alertaram para não tentar adivinhar o que o os outros estão a pensar.
Nem mesmo eles sabem.
É preciso aprender a dominar primeiro a nossa própria mente. Pra que ela não fique a pensar no pensar dos outros.
Seja lá o que for que os outros pensem, se quiserem que eu saiba, que me contem.
Vou me preocupar com meus pensamentos.
Mas... meus pensamentos são: o que será que eles estão pensando?
Confuso.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Se vou ou se fico. Vou.

Eu sei, sem saber, que sou.
Que posso mais, que vou além.
Vamos? Eu não sei. Eu tenho ficado.
Ou não... vou bastante até.
Tenho ido com novas músicas e costumes.
Novos pratos e apelidos.
Lendo outras revistas, comprando diferentes livros.
Ouvindo as mesmas músicas... só pra contrariar os novos hábitos.
Troquei de perfume, de interesses, troquei até o tamanho da roupa que uso.
Minhas montanhas continuam no mesmo lugar.
Prontas para serem escaladas.
Eu que já não me encontro no mesmo ponto de encontro que marquei tempos atrás.
Desencontrei.
Cheguei mais cedo e estive a esperar.
Cansei, calcei a cara e desfiz o combinado.
Continuei em frente. Segui. Andei.
E assim tenho ido. As vezes fico e descanso. 
E tenho encontrado também. Não mais com meu encontro de antes.
Ando esbarrando a tal sorte de um amor tranquilo.
Que eu tanto ouvi falar. E que agora, mesmo minhas montanhas estando no mesmo lugar, prontas para serem escaladas, vou sem desencontros.
Alguém esteve escalado para escalar as mesmas montanhas que eu.
Pegamos um caminho difícil durante um tempo, mas agora, andando a dois, é mais fácil de se fazer uma trilha e ter por onde andar. Apreciar a paisagem em volta e seguir acompanhado na mesma direção.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Isso

Qualquer sentimento que baste.
Que fique. Que abuse do que lhe é permitido ser.
Ser eterno durante todo o momento presente.
Delírios de cores. Devaneios alheios.
Será que é o suficiente?
Temos sido inconstante quanto a isso.
Isso que chamam amor.